A Ascensão de Cristo (1192) destaca-se na cúpula do arco do santuário da Panagia do Araka em Lagoudera, Chipre. Obra-prima da arte Comnena.
Título: A Ascensão de Cristo
Artista: Desconhecido
Tipo: Afresco (fresco)
Data: 1192
Materiais: Fresco (fresco)
Localização: Mosteiro da Panagia do Araka, Lagoudera, Chipre (cúpula do arco do santuário)
Escondido nas encostas do Troodos, na aldeia de Lagoudera, em Chipre, encontra-se um dos mais importantes monumentos da arte bizantina, o Mosteiro da Panagia do Araka. Este mosteiro, datado do século XII, abriga um tesouro inestimável de afrescos, com o ponto alto sendo a representação da Ascensão de Cristo, que se destaca na cúpula do arco do santuário. Criado em 1192, este afresco é um excelente exemplo da chamada arte Comnena (1988) no final do século XII, cativando o olhar com sua composição dinâmica, cores brilhantes e a espiritualidade que emana. A Ascensão em Lagoudera não é apenas uma representação religiosa, mas uma obra-prima que nos transporta ao coração da estética e teologia bizantinas, revelando a habilidade artística de toda uma época. A análise deste afresco nos permite compreender mais profundamente não apenas a iconografia da Ascensão, mas também as convenções artísticas e a atmosfera espiritual do Império Bizantino em Chipre naquela época. A primeira vez que vi este afresco, mesmo que através de fotografias, fui cativado pela sensação de movimento em direção ao céu.
Figura central da Ascensão em Lagoudera: Cristo em glória iridescente, símbolo da luz divina, abençoa o mundo enquanto é elevado aos céus.
O Afresco da Ascensão na Panagia do Araka
A Ascensão de Cristo na Panagia do Araka em Lagoudera não é apenas uma representação iconográfica, mas uma obra monumental que condensa a teologia, a estética e a habilidade artística do período Comneno no Império Bizantino, especialmente como se expressou em Chipre. A sua cuidadosa apreciação nos permite entrar em um mundo de elevação espiritual e perfeição artística, compreendendo mais profundamente a mensagem da Ascensão através dos olhos de um artista bizantino do século XII. A vivacidade das cores e a expressividade das formas criam uma conexão imediata com o espectador, mesmo após oito séculos.
Onde está o afresco da Ascensão?
O Mosteiro da Panagia do Araka em Lagoudera
Em uma localização idílica nas encostas do norte da cordilheira do Troodos, perto da aldeia de Lagoudera, encontra-se o Mosteiro da Panagia do Araka (2009). Esta igreja, que funcionava como o katolikon do outrora próspero mosteiro, é um dos exemplos mais bem preservados da arquitetura e pintura bizantinas em Chipre. Pertence ao tipo de igreja de uma única nave em forma de cruz com cúpula e está completamente coberta de afrescos que datam, segundo uma inscrição fundacional, de 1192. A excepcional qualidade artística e o bom estado de conservação desses afrescos levaram à inclusão da igreja, juntamente com outras nove igrejas pintadas do Troodos, na Lista do Patrimônio Cultural Mundial da UNESCO. A visita ao local cria uma sensação de viagem no tempo, de volta à época do grande império bizantino.
A posição da Ascensão na cúpula do santuário
A representação da Ascensão de Cristo ocupa, como é comum na pintura monumental do período bizantino médio e tardio, o quarto da abóbada ou, como aqui, a cúpula do arco que precede o Santuário. Esta escolha de posição é teologicamente e liturgicamente significativa. Colocando a Ascensão no ponto mais alto do espaço central da igreja, logo acima do local onde se realiza a Santa Eucaristia, o artista enfatiza a conexão entre a glória celestial de Cristo e a Sua presença na terra através da Igreja e dos mistérios. A cúpula funciona como um símbolo do céu, e o fiel, voltando seu olhar para cima, é chamado a participar mentalmente do evento salvífico da Ascensão, o retorno de Cristo à Sua glória divina. A arquitetura e a pintura colaboram para criar uma sensação de elevação e conexão com o divino.
Qual é a composição iconográfica da Ascensão?
A composição da Ascensão em Lagoudera segue os padrões estabelecidos, mas os interpreta de uma maneira única e dinâmica.
Cristo em glória: A figura central
No auge da composição, domina a figura de Cristo, não em pé como em representações anteriores, mas sentado triunfantemente em um arco semicircular, símbolo do céu. Ele é cercado por uma glória circular e iridescente (mandorla), que simboliza a luz divina, não criada. Cristo, com características juvenis, mas uma seriedade madura no olhar, abençoa com a mão direita e segura na esquerda um livro fechado, símbolo da Palavra de Deus e de Seu ensinamento. Suas vestes, uma túnica de cor quente e avermelhada e um manto dourado, são representadas com pregas elaboradas, onde as superfícies brilhantes se alternam dinamicamente com as linhas escuras profundas, criando uma intensa plasticidade e sensação de volume. Sua forma emana calma, força e majestade divina, constituindo o centro teológico e visual de toda a representação. O exame deste detalhe revela a incrível habilidade do artista em combinar espiritualidade com perfeição estética, como observa Maria Vasilakē em sua pesquisa (Vasilakē).
Os Anjos que elevam a glória
A glória de Cristo não flutua simplesmente, mas é dinamicamente elevada por quatro anjos, posicionados em pares acima e abaixo da glória, dentro do azul profundo do céu. A postura deles é extremamente interessante: os dois anjos superiores se voltam para Cristo com reverência, enquanto os dois inferiores parecem se inclinar para a terra, como se conectassem o céu com os Apóstolos. Seus corpos são representados com intensa movimento e graça, enquanto suas vestes esvoaçam. Especialmente impressionantes são suas asas, que, de acordo com as descrições, são representadas com formas plásticas e “cores robustas”. Observando a imagem, podemos imaginar uma textura densa, talvez com pinceladas visíveis, que faz as asas se destacarem do azul liso do céu, conferindo uma sensação de força e materialidade a esta companhia celestial. A energia que os anjos emitem transmite a sensação de uma ascensão triunfante.
Os Apóstolos e a Virgem: Os testemunhas do milagre
Na zona inferior do afresco, sobre o solo esverdeado que simboliza a terra (especificamente o Monte das Oliveiras), estão os doze Apóstolos, divididos em dois grupos iguais, voltados para o centro. As suas formas expressam uma variedade de emoções: surpresa, reverência, perplexidade, expectativa. Eles olham para o Senhor que ascende, com as mãos levantadas e gestos intensos que quebram a rigidez da disposição. Entre eles, no centro da composição e exatamente abaixo de Cristo, destaca-se a imponente figura da Virgem. Ela se apresenta em uma postura frontal de súplica, com as mãos levantadas em direção ao Seu Filho. A sua presença calma e firme contrasta com a agitação dos Apóstolos, simbolizando a certeza e a estabilidade da Igreja diante do milagre. Ela é cercada por dois anjos vestidos de branco, que parecem dialogar com ela ou com os Apóstolos, explicando o evento da Ascensão e anunciando a Segunda Vinda (“Homens Galileus, por que estais parados olhando para o céu?“).
A Simetria e o Equilíbrio na Composição
Toda a composição é regida por uma sensação de ordem e harmonia, que é alcançada através da simetria rigorosa em relação ao eixo vertical central definido pela figura de Cristo e da Virgem. A glória, os quatro anjos ao seu redor, os dois anjos ao lado da Virgem, e os dois grupos de seis Apóstolos correspondem quase simetricamente. No entanto, essa simetria não é absoluta ou mecânica. O artista introduz sutis variações nas posturas, nos movimentos das mãos e na direção do olhar dos Apóstolos, conferindo vivacidade e evitando a estaticidade. A colocação da Virgem no centro da zona terrestre, em vez de um Apóstolo, é ditada tanto por razões teológicas (sua posição central na Igreja) quanto por razões de composição, criando um segundo centro calmo na zona inferior, que equilibra o movimento dinâmico da zona superior. Esta organização equilibrada do espaço e das formas contribui para a monumentalidade e a clareza espiritual da representação.
Quatro anjos dinâmicos elevam a glória de Cristo no afresco da Ascensão (1192), contribuindo para a sensação de movimento e poder divino.
Análise Artística e Estilo do Afresco
Além da sua iconografia perfeita, a Ascensão na Panagia do Araka é uma obra-prima da pintura bizantina do final do século XII, incorporando as características mais avançadas de sua época de uma maneira única e expressiva. O estilo revela um artista ou oficina de alto nível, com profundo conhecimento da tradição, mas também com uma marca pessoal.
Quais são as características da arte de 1192 em Lagoudera?
O estilo “Comneno” na Ascensão
A data de 1192 coloca o afresco na última fase da arte da dinastia Comnena (1081-1185) ou no período imediatamente seguinte, mantendo, no entanto, as características básicas do estilo Comneno maduro. Este estilo, frequentemente chamado de “maneirismo Comneno” ou “estilo dinâmico”, é caracterizado por uma intensa linearidade, alongamento das formas, pregas inquietas e frequentemente complexas nas vestes, e uma maior intensidade emocional e expressividade nos rostos. Na Ascensão do Araka, vemos esses elementos: as linhas caligráficas, a elegância das formas, a representação elaborada das pregas que enfatizam o volume, mas também o movimento, e a tensão espiritual nos olhares dos Apóstolos. A arte Comnena (1988) produziu algumas das mais brilhantes obras da pintura bizantina, e este afresco está entre elas.
Paleta de cores: Azul, verde e cor robusta
A escala de cores do afresco é rica e simbolicamente carregada. O azul brilhante do céu, cor da divindade e da transcendência, domina a zona superior, criando uma forte profundidade atrás da glória de Cristo. Em contraste, a zona esverdeada da terra, embora estilizada, fornece uma base sólida para as formas terrenas dos Apóstolos. As cores das vestes são vibrantes e simbólicas: o púrpura e o dourado para Cristo (cores reais e divinas), as várias cores dos Apóstolos, o azul profundo da Virgem, o branco dos anjos que simboliza a pureza e a luz divina. A descrição da “cor robusta” nas asas dos anjos sugere uma técnica que talvez utilizasse uma camada de tinta mais espessa ou pinceladas em relevo para dar textura e enfatizar sua presença. Este uso excepcional da cor caracteriza a alta qualidade deste afresco bizantino em Chipre (Hein, Jakovljević, Kleidt). A doçura e a clareza das cores, apesar da passagem de tantos séculos, testemunham a alta técnica do artista.
Linearidade e Caligrafia das formas
A linha desempenha um papel central na arte deste período e especialmente no afresco da Ascensão. O artista utiliza uma linha extremamente fina, precisa e fluida para delinear as formas, as características dos rostos e, principalmente, as complexas pregas das vestes. Essas linhas caligráficas “impecáveis” não são apenas contornos, mas elementos ativos da composição que criam ritmo, direcionam o olhar e contribuem para a representação do volume e do movimento. A destreza no desenho é evidente na representação das mãos, dos rostos com os grandes olhos expressivos, e na disposição elaborada das pregas que às vezes seguem a forma do corpo e outras vezes parecem viver sua própria vida inquieta. Esta ênfase na linha é um elemento central da estética da pintura bizantina (Du Cange) da época.
A representação do movimento e da majestade
Apesar da solenidade sacerdotal que o tema exige, o artista consegue infundir na composição uma sensação de dinamismo e vida. O movimento é sugerido de várias maneiras: na ascensão impetuosa da glória pelos anjos, nos variados e intensos gestos dos Apóstolos que expressam sua surpresa, na leve rotação do corpo de Cristo, e principalmente nas inquietas e onduladas pregas das vestes que parecem esvoaçar. Este “eco de movimento”, como é acertadamente descrito, permeia as formas e lhes confere vivacidade. Ao mesmo tempo, a imponência das formas, as proporções elegantes, a seriedade das expressões e a harmonia da composição criam uma atmosfera de majestade e solenidade divina.
Como é transmitida a sensação do transcendente?
O afresco não visa apenas narrar um evento, mas principalmente transmitir a sensação do milagre e do transcendente.
A representação de Cristo entre a terra e o céu
O uso inteligente da cor no fundo, com a divisão em zona terrestre (verde) e celestial (azul), posiciona visualmente Cristo exatamente na interseção, no espaço intermediário entre os dois mundos. Isso enfatiza Sua dupla natureza, divina e humana, e visualiza da maneira mais eloquente o conceito da Ascensão como uma ponte entre a terra e o céu. O espectador é convidado a seguir com seu olhar essa trajetória ascendente. A experiência da visão torna-se assim uma “experiência icônica” da própria Ascensão.
O uso da luz e da sombra
A luz no afresco não é natural, mas simbólica, espiritual. Ela emana da própria forma de Cristo e irradia através de Sua glória. O artista utiliza intensas luzes (linhas luminosas) sobre as pregas para indicar a presença dessa luz divina, criando ao mesmo tempo volume e plasticidade através do contraste com as linhas escuras das pregas mais profundas. Imaginamos como a pouca luz das velas ou a luz natural que entraria pelas janelas da igreja animaria essas formas, fazendo os detalhes dourados brilharem e as formas parecerem emergir do fundo, intensificando a atmosfera de reverência do espaço.
A espiritualidade e a clareza reveladora
Toda a composição exala uma intensa espiritualidade e uma “clareza reveladora”. As formas, embora robustas e bem moldadas, parecem entidades espirituais, etéreas. Os grandes olhos amendoado com o olhar intenso, a calma da Virgem, a divina serenidade de Cristo, tudo contribui para criar uma atmosfera transcendente, onde o divino se revela ao olhar humano. Esta ênfase na essência espiritual e não na simples representação externa é o núcleo da iconografia bizantina (Zamvakellēs), que funciona como teologia com cores e formas.
A comparação com outros afrescos bizantinos da Ascensão
A Ascensão da Panagia do Araka é um importante elo na cadeia da iconografia do tema. Comparada com outros afrescos bizantinos (Orlandos) preservados do mesmo período, como os de Nerezi (Macedônia do Norte) ou na Diocese de Evrytania, apresenta semelhanças na disposição iconográfica e no estilo (por exemplo, a dinâmica das pregas), mas também características únicas, como a sensibilidade cromática especial e a precisão caligráfica do desenho. A presença da Virgem e dos dois anjos vestidos de branco segue padrões anteriores, mas a sensação geral de dinamismo e expressividade a insere plenamente no espírito da renovação Comnena. O estudo dela em relação a outras obras ajuda a compreender a evolução da arte bizantina e as particularidades locais de Chipre (Pesquisa: Iconografia bizantina da Ascensão).
Os dois anjos inferiores da glória na Ascensão de Cristo em Lagoudera. O movimento deles conecta a glória celestial com os Apóstolos na terra.
Epílogo
O afresco da Ascensão de Cristo na Panagia do Araka em Lagoudera é uma obra-prima atemporal, que transcende os limites da simples representação religiosa. Criado em 1192, no auge da arte Comnena, combina de maneira única a precisão teológica, a habilidade artística e a intensidade espiritual. A composição dinâmica, a linha expressiva, o brilho das cores e a sensação de movimento e majestade tornam esta representação um dos mais importantes exemplos da pintura bizantina monumental. A Ascensão em Lagoudera não é apenas um patrimônio valioso para Chipre e o mundo ortodoxo, mas também uma obra de valor universal que continua a inspirar e a provocar admiração no espectador, oito séculos após sua criação.
Perguntas Frequentes
Quando exatamente foi pintada a Ascensão de Cristo em Lagoudera?
O afresco da Ascensão, juntamente com a restante decoração da igreja da Panagia do Araka, é datado com precisão em 1192 d.C., de acordo com a inscrição fundacional que se conserva no interior da igreja. Isso coloca esta impressionante representação da Ascensão do Senhor no final do século XII.
Qual estilo segue o afresco da Ascensão em Lagoudera?
A Ascensão na Panagia do Araka é um excelente exemplo da arte Comnena madura, que floresceu no Império Bizantino no século XII. É caracterizada por dinamismo, intensa linearidade, pregas elaboradas e expressividade aumentada, elementos que distinguem claramente a representação da Ascensão de Cristo em Lagoudera.
Por que a Virgem está no centro, abaixo de Cristo na Ascensão?
A posição central da Virgem na representação da Ascensão em Lagoudera, entre os Apóstolos, enfatiza seu papel central na Igreja como Mãe de Deus, mas também é ditada por razões de simetria da composição. Sua postura calma e frontal contrasta com a agitação dos discípulos, simbolizando a estabilidade da Igreja.
Qual é a importância das cores na Ascensão de Cristo em Lagoudera?
As cores na Ascensão em Lagoudera têm também um significado simbólico. O azul brilhante do céu simboliza o divino, o verde a terra, o dourado e o púrpura nas vestes de Cristo sua natureza divina e real, enquanto o branco dos anjos simboliza a pureza. A harmonia delas contribui para a espiritualidade da cena.
O que torna a Ascensão de Cristo em Lagoudera tão especial?
A Ascensão de Cristo na Panagia do Araka se destaca pela sua excepcional qualidade artística, sua excelente conservação, a dinâmica representação do movimento, a expressividade das formas e a bem-sucedida visualização do evento transcendente. É um exemplo de destaque da arte bizantina do século XII em Chipre.
Bibliografia
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- Hein, Ewald, Andrija Jakovljević, e Brigitte Kleidt. Chipre, Igrejas e Mosteiros Bizantinos: Mosaicos e Afrescos. Melina, 1998.
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- Orlandos, Anastasios K. Arquitetura e os afrescos bizantinos do mosteiro de St. Jean em Patmos. Klincksieck, 1970.
- Panagiotakēs, Nikolaos M., et al. Krētē: historia kai politismos – Τόμος 2. Vikelaia Dēmotikē Vivliothēkē, 1988.
- Vasilakē, Maria. O retrato do artista no Bizâncio. Panepistēmiakes Ekdoseis Krētēs, 1997.
- Zamvakellēs, Panos A. Introdução à pintura bizantina: iconografia, técnica, estética. Ekdoseis Grigore, 1985.